abas

sábado, 3 de setembro de 2011

fantasia de verdade

'Te adoro!' Depois de confessar que nunca a esquecera e que sempre fora apaixonado por ela, despediu-se levando a promessa de se verem no próximo sábado. Não se viam ou se falavam há décadas; ele foi o primeiro namorado dela. Ambos lembravam dos momentos compartilhados: passeios, praia, manhãs na escola e tardes aos abraços e beijos. 'Por que não saíamos com amigos e somente sozinhos?'; ela quis saber depois de passados mais de trinta anos. Ele não pediu explicações sobre a pergunta, sabia que o motivo pelo qual ela desistira daquele primeiro amor correspondido fora a solidão a dois. Respondeu que foi por infantilidade, por não querer dividi-la com mais ninguém e que pensava nela em todas horas. Não ficaram amigos depois, mas nunca brigaram, também. Desgrudaram-se.
'Você furou ao nosso encontro!' disse o segundo ex-namorado, abruptamente ao telefone, há menos de uma semana antes. Ambos caíram na gargalhada quando ele disse onde estava. Coincidentemente, muitas vezes se encontraram fazendo compras em um hipermercado. Ele a negócios e ela pela rotina da vida doméstica.
O primeiro e o segundo sempre foram muito bem humorados, expansivos e camaradas. Ambos a faziam sorrir com frequência e continuavam a tratá-la com carinho especial. Ela gostaria de tê-los; de qual forma, não conseguiria dizer.
'Gosto muito de você, viu?' disse apressadamente o ex-marido antes de desligar, depois de se encher de coragem, há poucos meses atrás. Ela sorriu ao perceber o esforço da confissão regada ao velho álcool companheiro que o fazia abrir uma nesga de sua concha privada.
O casamento fora bom, trouxe uma felicidade diferente daquela experimentada. Resultou no fruto dos sonhos: o filho. O presente que ela nunca pensou merecer; não 'ganhou' um filho comum, concebeu um extraordinário. Mas, novamente ela se sentia só. A natureza dela é insular, embora nascida e crescida em baía. Estranhamente, ela também gostaria de tê-lo: queria os três.
'Mas eu também sou apaixonado por você!' disse o dono da pastelaria e do coração dela. Claro que ela não acreditou, não era verdade. O amor dele por ela era como um sopro sussurrado, igual às baforadas circulares que fazia para diverti-la. Mais de uma década de encontros, alguns desencontros e muitos momentos marcantes. Pela ótica dela, um amor apimentado e desmesurado; para ele, um mistério e mais uma. Solidão mais dolorida não houve; terminou como começou: na estranheza. Este, ela nunca poderá querer ter.