abas

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Cajucajucajucaju...

As reuniões em Brasília podem ser muito agradáveis quando os componentes são gente que, apesar de levar o trabalho muito a sério, tocam os assuntos com leveza e alegria.
Minha quarta-feira antevéspera do feriado da independência não foi diferente. Almocei em companhia de um grande amigo e que me buscou no final da reunião para me levar ao aeroporto. Lastimamos eu não poder ficar mais um tempo por lá e combinamos qualquer viagem de fim de semana para colocarmos os papos em dia.
Já no guichê de check-in da TAM, descobri que meu assento era na poltrona do meio: 18b. Perguntei se não havia outro local e a funcionária explicou que somente na "poltrona confort". Nem havia o que pensar, paguei com alegria o assento 11c. 
Nos despedimos com um abraço apertado daqueles que a gente sabe o quanto é bem-vinda e parti para o meu destino: voo 3029, portão 10.
Esperei muito pouco para entrar, meu cartão platinum me proporciona prioridade no embarque. Sentei-me ao corredor e voltei a escrever um texto que havia iniciado no voo de ida; o avião foi lotando enquanto eu estava entretida na minha escrita. Um dos últimos passageiros foi um homem com a idade indefinida daqueles que parecem ter feito plástica no rosto e ficam parecendo parentes próximos do Paulo Maluf. Impliquei imediatamente com aquela figura de terno marrom, falando palavrões ao telefone. Enquanto estava ao telefone, ele colocou sua bagagem no compatimento acima do meu assento. A barriga dele interrompeu minha atividade e precisei me encolher junto ao passageiro ao meu lado. Estava detestando aquilo tudo e resmungando por dentro: figura típica de Brasília! O homem se sentou na poltrona da mesma fila, também no corredor. Voltei a escrever e, de repente, ouvimos um estrondo medonho e senti uma dor lancinante no topo da cabeça. Olhei de soslaio para o chão e, aos pés do homem com cara de sapo, estava caída uma maleta larga, de couro marrom.
A mão esquerda, colocada à cabeça instintivamente como se fosse fazer parar a dor, estava ensanguentada e o passageiro ao meu lado falou: "a senhora está sangrando". Respondi meio apavorada, mas firme: eu sei. Levantei-me e a maleta ainda estava no mesmo lugar. Fulminei o batráquio com o olhar e perguntei em tom de acusação: a mala é do senhor, não é? "Sim, é minha." O anuro não teve como negar o que seguramente tentava disfarçar. Cuspi a frase com todo o meu nojo e indignação: eu sabia, o senhor é um arrogante. Agiu com arrogância ao colocar uma mala em local onde sabia que não caberia.
O imbecil respondeu na defensiva: "Arrogante, eu? Eu pedi desculpas à senhora!"
Não sei se ele se desculpu, não escutei e era totalmente irrelevante.
Peguei meu livro no bolsão à frente da poltrona e saí do avião com a roupa e o cabelo empapados de sangue. As portas ainda não haviam sido fechadas. As comissárias estavam na parte da frente da aeronave, apavoradas com a cena. Uma delas me perguntou: "A senhora não trouxe uma bolsa?" Claro que eu havia trazido, descrevi a bolsa e esperei uma delas ir buscar. Afastei-me das duas outras porque a minha figura devia estar nauseante enquanto uma delas me dizia que já havia chamado atendimento médico do aeroporto. A moça demorou a voltar - imagino a quantidade de tralha colocada encima da minha bolsa - e eu sabia que não iria aguentar muito tempo ali em pé. Avisei que iria entrar no aeroporto e elas concordaram. Nenhuma pareceu vir atrás de mim, mas, ao chegar no embarque, havia outra turma de funcionários da TAM, também no portão 10, para um outro voo. Falei para a moça com o rádio na mão e que acabara de escutar o acidente: vou me sentar naquela cadeira de rodas, tá? Ela assentiu e disse: "fique calma, o atendimento médico está a caminho." Peguei o telefone para ligar para o meu amigo, falei com ele rapidamente e prometi ligar dando mais notícias. Senti minha pressão despencar e o enjoo veio fortíssimo: eu ia desabar e me imundar mais ainda. Resolvi abaixar a cabeça para não desmaiar. A funcionária com o rádio decidiu não esperar o socorro e encaminhou minha cadeira rumo à emergência. Expliquei a ela que, se algo me acontecesse, ela deveria ligar para o meu amigo, último telefone registrado, do meu aparelho branco. Expliquei que a bateria estava no final, mas eu trazia o fio em minha bolsa. Logo depois de chegarmos à emergência da INFRAERO a outra equipe de médico e enfermeiro chegou por não ter me encontrado. Fui muito bem tratada no atendimento e me fizeram as peguntas de praxe; a quantidade de cabelo que tenho estava atrapalhando a investigação no meu couro cabeludo. Foi preciso meter minha cabeça abaixo da torneira para que o médico diagnosticasse: "2 cortes, um deles precisa ser suturado. Você terá que ir ao hospital." Como não era caso para ambulância, a INFRAERO me levaria ao hospital onde há o atendimento do meu plano de saúde. Preferi pedir para chamarem meu amigo porque me sinto mais segura com ele. Enquanto esperava ele chegar, fiz umas ligações, avisei ao meu diretor que eu perderia as duas reuniões importantes no dia seguinte e pedi para me colocarem em um voo no dia seguinte. Eram sete horas da noite e eu adivinhava que estávamos apenas no início de uma maratona indesejada. Obtive total apoio de todos para quem liguei avisando; todos ficaram indignados com o ocorrido e muito preocupados. Senti-me muito amparada e querida; foi bom para o meu emocional.
Houve mudança de turno de médicos e enfermeiros, todos se despediram de mim e o médico do plantão pediu para eu repetir tudo que havia acontecido e me avisou: "conte ao médico no atendimento do hospital que você quase desmaiou e quase vomitou, é muito importante." Meu amigo chegou em seguida e me perguntou exatamente sobre o assunto e ratificou as instruções do médico. Fomos ao hospital Brasília, próximo ao aeroporto e onde é aceito o plano UNIMED. Seguimos o protocolo e, para a nossa surpresa, o plano Leste-Fluminense não é aceito nesse hospital. Depois de algumas tentativas frustradas de ligar para o 0800 fornecido por esse hospital, voltamos ao atendimento um pouco nervosos pelo tempo perdido e sem solução do problema. Minha cabeça voltara a sangrar. Finalmente, conseguimos um telefone local da UNIMED que nos indicou outro hospital. O atendimento do hospital Alvorada me deixou apreensiva. Havia gente esperando o atendimento para consulta comum misturado à gente com problemas de emergência, mesmo. Pegamos a senha e esperamos. Uma das funcionárias perguntou em voz alta: "tem alguém preferencial?" Ninguém disse nada e resolvi perguntar: cabeça aberta serve para atendimento preferencial? A moça disse: "não sei." Mas afinal, quem sabe? Ela chamou o próximo número da senha que era anterior ao nosso, em seguida, uma outra chamou meu número. Feita a ficha, fui atendida na sala de cirurgia. A médica perguntou: "está em dia com as vacinas?" Que vacinas? Não tomo vacina desde a infância!
Ela identificou apenas um corte e fez a sutura depois de avisar: "a picada da anestesia vai doer e arder." Doeu e ardeu, mas fazer o quê? O último ponto foi sentido, eram três ou quatro - saberei quando forem retirados. A quantidade de sangue deixada na cama foi grande, mas eu estava suturada, só faltava fazer o exame de raio-x. Minha caveira estava intacta, nenhuma fissura. A doutora fez um pedido de vacinação contra tétano o qual eu deveria fazer em até 24 horas. Saímos do hospital direto para a casa do meu querido amigo que cuidou de mim, colocou minhas roupas para lavar e me emprestou outras para eu vestir depois do banho. Meu cabelo estava completamente grudado e foi preciso três lavagens seguidas para ficarem apresentáveis. Depois de limpa e medicada, foi inevitável pensar na sorte em ter acontecido em Brasília, onde tenho apoio incondicional do meu adorado amigo, por ele ter disponibilidade para me acudir, lugar para eu dormir e também por possuir uma fabulosa máquina de lavar que também seca a roupa.
Compramos coca no posto de gasolina, pedimos pizza e dormi bem, não senti dores e meus ferimentos não sangraram mais. Realmente, sou afortunada, apesar do incidente. Lembrei-me do meu antigo, e muito querido, chefe que uma vez me disse: "Susana, até na adversidade, você tem sorte!"
Voltei para casa na manhã seguinte na mesma poltrona, mas o voo estava vazio e pulei para a janela, bem longe da boca do bagageiro. Em Niterói, fui direto para o posto de saúde tomar a vacina. Sem prestar a atenção ao que fazia, deixei o enfermeiro pegar meu braço esquerdo. Instruída de chegar em casa e pôr gelo, cheguei finalmente em casa. Não doeu nada; sim, dei a maior sorte.


foto tirada assim que entrei no voo 3029, de 5 de setembro, que deve ter partido às 18:18h de Brasília para o Santos Dumont com uma poltrona vazia: a minha.